Celita Vaccani (1913-2000) foi discípula de Rodolpho Bernardelli e teve uma intensa produção atrelada à tradição escultórica acadêmica, muito próxima a de seu mestre Rodolpho. Entretanto, ela não foi apenas uma seguidora, suas obras de formas e temas tão diversificados apontam isto. Em vários momentos, ela busca se distanciar de seu mestre, em busca de uma trajetória singular. Entretanto, ela não rompe, nem teve sequer a pretensão de romper totalmente com a tradição.
Walter Zanini considera “a escultura uma arte relutante em abandonar antigos e esgotados sistemas figurativos”.[2] E, este é justamente o objetivo de nosso estudo, pesquisar esta abertura a outras possibilidades, que não implica ruptura. Portanto, pretendemos primeiramente traçar de modo breve a trajetória de Celita Vaccani, para em seguida analisar os aspectos da modernidade em suas obras, a partir da tradição, fazendo uma análise formativista. Para isto, focaremos nosso estudo em três obras de Celita pertencentes ao acervo do Museu D. João VI, da Escola de Belas Artes da UFRJ.[3]
Um breve histórico de Celita Vaccani
Celita Vaccani nasceu no dia 6 de outubro de 1913, no Rio de Janeiro. Sua família morava na Tijuca, zona norte da cidade. Ainda pequena, muda-se com a família para Copacabana, habitando o mesmo quarteirão em que se erguia o atelier dos irmãos Bernardelli, Rodolpho e Henrique Bernardelli, dois grandes mestres, dois grandes marcos das artes visuais no Brasil. Cresceu brincando à sombra do prédio do atelier e sempre que tinha uma brecha, Celita entrava no atelier para visitar o “Professor Rodolpho”, como o chamava e para ver as monumentais esculturas, que estavam expostas pelos diferentes salões e ficava completamente fascinada.
Aos nove anos, Celita é levada pelo pai ao atelier de Rodolpho Bernardelli, e inicia seu aprendizado de escultura Antes de falecer, Rodolpho Bernadelli pediu ao seu renomado discípulo Otávio Corrêa Lima, então diretor e professor de escultura da Escola Nacional de Belas Artes, que continuasse a orientar a jovem escultora.
Assim aconteceu por mais sete anos, sendo os dois primeiros como sua aluna particular, em seu próprio atelier, e os demais quando já fazia o curso de escultura da ENBA.
Aos 23 anos Celita ingressa como aluna na Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do Brasil (atual Escola de Belas Artes), onde se forma em 1936. Celita terminou o curso tendo conquistado várias premiações como medalha de bronze, a pequena e a grande medalha de ouro. Nesse período, através de seus trabalhos enviados ao Salão Nacional de Artes Plásticas recebeu a menção honrosa e a medalha de prata.
Em 1937, competindo num concurso realizado pela Escola Nacional de Belas Artes obteve o “Prêmio Caminhoá” de viagem à Europa, onde passou quatro meses, o que lhe permitiu conhecer de perto esculturas de vários países. Voltou empolgada com tudo o que vira e disposta a trabalhar muito. Assim, participa de vários concursos públicos, onde recebe inúmeras premiações.
No ano de 1944, Celita passa a lecionar na Escola Nacional de Belas Artes, na cadeira de modelagem, como assistente de ensino, conquistando, em 1950, por concurso, o título de livre-docente de Escultura. No ano de 1956, conquista o título de Catedrática de Modelagem.
É convidada pelos Estados Unidos, em 1953, a realizar, durante 10 meses, pesquisa sobre métodos de ensino de escultura, naquele país.
Realizou, em 1959, um interessante trabalho de intercâmbio cultural na área da escultura, a convite do Conselho Britânico, com duração de 2 anos.
Em 1964 é eleita vice-diretora da Escola de Belas Artes da UFRJ, sendo em 1975, indicada a diretora em exercício.
De 1964 a 1967, Celita trabalha diretamente em escultura com novas técnicas e materiais, criando diretamente no ferro, obras em escultura espacial pelas técnicas oxiacetilênicas e de solda elétrica.
Celita Vaccani foi ainda, a 1ª mulher a tomar posse na Academia Brasileira de Artes, no dia 3 de dezembro de 1985.
A tradição
Celita Vaccani teve um grande aprendizado junto ao atelier de Rodolpho Bernardelli, partindo do ensino mais tradicional do estatutário francês, onde abundam bustos, hermas, retratos.
Para a tradição escultórica acadêmica, as obras são valorizadas pelo rigor geométrico, pela harmonia, pela serenidade facial e de gestos, pelo equilíbrio e proporções resolutas. Suas obras ligadas à tradição escultórica apresentam uma identificação com a classicidade greco-romana de talhar e modelar, onde o tema ideal é o torso e a cabeça humana, rejeitando tudo o que era inanimado e imóvel. Numa arte, praticamente, confinada ao monólito, ao ponto de visão único com a perspectiva central.
Onde a proporção, as formas da escultura estão em conformidade com a lei da gravidade e com a ordem do espaço natural e a serviço das exigências da representação imitativa.
As obras de Celita, ligadas à tradição, estão atreladas a cânones da escultura clássica, delineadas pela serenidade e pela discrição. Aspectos que vão impregnar todas as suas obras, das mais tradicionais às mais modernas.
Neste sentido, podemos afirmar que Celita era uma clássica, dentro da melhor definição e não do sentido acadêmico. Clássica porque objetiva a depuração, a síntese, a composição, o equilíbrio, a idéia gera, a filosofia de vida; clássica porque fiel ao conceito de todo, clássica porque representativa de uma cultura.
As encomendas tinham grande força na vida de Celita Vaccani, que realizava muitas obras comissionadas, nelas há o domínio da regra e da norma na execução, ditando, preceitos, princípios e leis na execução de acordo com a encomenda.
Caminhos para a modernidade
Apesar de ser marcada pelo aprendizado acadêmico, em diversas obras Celita Vaccani vai além dos limites imitativos entre a matéria plástica da carne e a matéria plástica da escultura. Por isso, seria incorreto afirmarmos que Celita Vaccani não tenha recebido influências mais recentes, nem sacrificado por vezes ao duvidoso gosto contemporâneo. Mas, as influências foram as melhores possíveis e os sacrifícios raros. As influências agiram, para felicidade sua, não no sentido da adoção de receitas, nem da aquisição de habilidades, mas da fiel observância de princípios.
As idéias renovadoras a ajudaram a imprimir à sua linguagem escultórica outras poéticas, que lhe abriram rumos novos e inesperados. Iniciando assim, um caminho que a levou a produzir uma obra eclética, aberta às tendências percorridas pela escultura do século XX.
Desta forma, Celita explora as possibilidades que as diferentes tendências modernas lhe oferecem. Isso, não significa, porém a ausência de uma busca própria, porque na verdade, ao descobrir outras possibilidades formais, ela trata de dá-las um desenvolvimento singular e criativo. É o cumprimento de uma vocação que se desdobra e aperfeiçoa concorrendo para sua afirmação pessoal, cujas alternativas seriam apenas meras expansões de sístoles e diástoles. Esta capacidade de criar a partir de veredas abertas por outros escultores, comprova-se tanto nas variações que consegue na exploração de formas figurativas, como de formas abstratas.
Sua arte é extremamente graciosa. Suas simplificações nada têm de arbitrário e ocasional, mas buscam sempre a harmonia; numa exibição de equilíbrio que é a marca de suas obras acima do tempo e dos gostos transitórios.
Para Celita, ser moderno significava usar das liberdades materiais e construtivas, de modo figurativo ou não figurativo, concreto ou abstrato, desta forma ela pode ser considerada uma mediadora entre a modernidade e a tradição.